O Brasil não é para fracos, ainda mais quando falamos sobre gerenciar equipes de League of Legends - é difícil montar time e mantê-lo unido por mais de uma etapa. Todas as equipes que venceram uma edição do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLoL) acabaram se dissolvendo na sequência.
Foi assim com Vivo Keyd, paiN Gaming, INTZ e, até, Team oNe. Mas alguma coisa aconteceu na última etapa, quando a KaBuM foi campeã e "só" perdeu seu técnico, Jean-Francois Caron, o Nuddle.
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Mas até mesmo essa perda foi impactante para a KaBuM. Afinal, o papel de técnico nas primeiras rodadas dessa etapa do CBLoL acabou caindo no colo de Gabriel "Halier" Garcia, que mesmo tendo muita experiência como assistente técnico, não conseguiu dar "liga" na equipe alaranjada.
Nas duas primeiras rodadas da segunda etapa de 2018, era nítido que a KaBuM tinha perdido seu ímpeto. Essas partidas acabaram evidenciando as decisões erradas e uma certa falta de controle de macro. Era certo que Alexandre "TitaN" Lima e companhia tinham perdido sua magia. Como reestruturar aquela formação campeã e trazer de volta os sorrisos nos rostos dos jogadores? Como lidar com as novas estratégias que estavam surgindo?
A resposta veio, mais uma vez, de fora do país e pelas mãos de uma pessoa que quase passou despercebida do competitivo. Lee Woo Seok, também conhecido como Hiro. Só que Hiro não era tão conhecido no Brasil. Seu maior destaque no cenário da modalidade rolou em 2012, quando conseguiu dar o primeiro pentakill na liga sul-coreana (LCK).. Na época, Hiro atuava pela NaJin e-mFire, mas logo foi parar na China durante o "grande êxodo" - quando os times da liga daquele país (LPL) contrataram em peso jogadores coreanos.
[embedded content]Anos mais tarde Hiro ganhou destaque para nós, brasileiros, pois conseguiu colocar a KaBuM mais uma vez na grande final do CBLoL. "Gosto de desafios e tinha em mente estar em outras regiões como Europa, mas decidir vir para o Brasil", contou Hiro em entrevista exclusiva para o ESPN Esports Brasil.
Calçar os sapatos de Nuddle, no entanto, não é encarado por Hiro como um peso, mas sim a pressão dos torcedores da KaBuM. "Eu não senti tanta pressão na função, mas pelos fãs sim. Houve também uma pressão pela equipe ter sido campeã. Então, quis ser melhor que meu antecessor e ganhar tudo outra vez, para mais uma vez ir ao mundial", conta o novo líder do time.
A importância de Hiro para levar a KaBuM para essa grande final foi acontecendo bem em baixo dos narizes dos analistas e comentaristas do CBLoL. A KaBuM começou vencendo logo depois de Hiro chegar. Foi logo na vitória por 2 a 0 em cima da Red Canids que vimos as primeiras estratégias do novo técnico funcionar. Trouxe Rievy, que não participou das primeiras disputas, ao mesmo tempo que construiu composições que a KaBuM teve facilidade para se sobressair.
"Quando cheguei a equipe havia perdido duas séries. Vim com o pensamento de me desafiar, de mostrar que poderia colocar a equipe em uma situação melhor. Senti que o time estava mal, então daria o meu máximo para melhorar a equipe", conta Hiro.
Na semana seguinte foi a vez do clube encarar a Vivo Keyd. A apertada série mostrou que os times ainda não tinham se adaptado ao "meta maluco" - no qual diversos assassinos e magos estavam aparecendo na rota inferior.
Talvez o ponto principal em que Hiro chamou minha atenção foi durante o Rift Rivals. Perguntei a Hiro o que isso significava para sua carreira e ele confessou que "Nunca havia ganhado um Rift Rivals, então foi importante . Agradeço ao time e a organização, pois me deram a oportunidade de disputá-lo".
A essa altura, você deve ter percebido como Hiro mantém uma postura formal. Durante toda a entrevista, notei uma certa humildade tanto para seus adversários, quanto para a KaBuM e seus jogadores.
Tentei pressioná-lo perguntando qual era sua "fórmula mágica", mas Hiro continuou em sua posição, destacando os jogadores. "Não usei nada de especial, não fiz nada de diferente", disse. Para o técnico, a melhora veio principalmente pela personalidade dos jogadores. "Percebi que os jogadores daqui são diferentes do que vemos lá fora, são jogadores que respondem mais, que possuem personalidade. Os brasileiros se impõem mais, então trabalhei em volta disso e acho que o resultado é a condição atual".
Sobre essa volta por cima, mais uma vez o técnico deu os méritos para os jogadores "Acho que os garotos, o time todo, está com maior confiança neles mesmos. É por isso que sua personalidade voltou não só nos jogos, mas nos treinos".
DIFERENÇAS REGIONAIS
Perguntei se ele sentia alguma. Tipo de diferença entre a KaBuM e os outros times com os quais ele já treinou. Surpreendentemente, Hiro falou que a mentalidade dos brasileiros é muito parecida com as de outros países. "Não há tanta diferença em ensinar aqui, na Coreia ou China, pois os jogadores são parecidos. Prefiro passar confiança e direcioná-los", conta.
Para fazer isso funcionar, Hiro teve que se adaptar ao ritmo brasileiro. Aqui os clubes geralmente possuem duas janelas de treinamento por dia, enquanto na Coreia e China chegam ser quatro "scrims" diárias. Mesmo assim, isso não tira Hiro do sério. "Acho que não há tanta diferença em treinar muito ou pouco. Depende muito do time, dos jogadores. Há jogadores que preferem treinar muito e há aqueles que preferem menos, pois enjoa. Se for para treinar mais, que seja feito com vontade. Seja muito ou pouco, mostre qualidade", explica.
Volto então minha entrevista para falar um pouco sobre as diferenças do Brasil, Coreia e China, mas no âmbito pessoal. Hiro confirmou que acha nossa comida muito salgada, mas que não sente tanta saudade da culinária sul-coreana.
"Não tem tanto problema assim em estar longe da Coreia. Como já estive por quatro anos na China, não sinto tantos problemas assim. De vez em quando converso com minha mãe por mensagens. Me preocupo muito com minha vó. Antes de vir para cá, ficava na casa dela. Como minha vó não sabe mexer em um celular, não sabe mandar mensagem, me preocupo bastante com ela", confessa.
Até mesmo o contato com outros sul-coreanos que jogam no Brasil são raros. "Como não conhecia ninguém antes de vir para cá, não era amigo de ninguém, fiz apenas uma pergunta para o Chaser e mais nada. Não sai com eles e não tive contato", conta. "A única vez que sai para festejar foi quando teve uma festa da Riot. Nunca saí com os jogadores [da KaBuM] porque eles nunca chamaram e nunca pedi para chamar também [risos]", brinca.
Isso não quer dizer que o técnico não seja festeiro. Ele está guardando sua boemia para o caso da vitória do CBLoL se concretize. "Então fica nessas de quem vai chamar quem. Quero sair com o pessoal pelo menos uma vez assim que ganhar para comemorar".
Aí ficou uma pulga atrás da minha orelha. Será que Hiro não se sente isolado? Sabemos que isso foi um problema para técnicos estrangeiros no passado. Mas isso também não afeta Hiro. "Não me sinto tão sozinho assim porque, como já fui para a China e não falava chinês, passei sufoco e agora, já tendo passado por isso, não me sinto tão desconfortável. Assim que cheguei, o nosso manager, Arddhu, o nosso coach assistente, Halier, e o nosso daddy, Thurizao, nos ajudaram bastante e me deixaram bem confortável", conta.
A entrevista estava chegando ao fim e mais uma vez eu sentia que Hiro estava sendo muito gentil com o cenário brasileiro. Perguntei então, o que nós poderíamos mudar para ter algum destaque no cenário internacional. "Acho não tem muito o que mudar. Se for seguir como os coreanos jogam e treinam, é impossível porque em cada país as pessoas são diferentes. Não tem como fazer como os coreanos. Tem como mudar algumas coisas, sim, mas seria mais modo de preparo, coisas desse tipo, não o estilo de jogar em si", analisa
Eu forço a barra e tento ver se ele diria se os jogadores brasileiros, no geral, são tão bons quanto os sul-coreanos e ele dispara: "são muito próximos".
Antes de sair da casa, pergunto para Hiro se ele tem interesse em aprender a falar português. Ele deu um sorriso muito genuíno - talvez fosse algo que ele queria contar - "Estou aprendendo português por conta própria. Vejo vídeos de como falar, tanto português como inglês".
Deixei a casa da KaBuM com a sensação de que eles fizeram, mais uma vez, uma grande escolha para seu novo técnico. Vamos ver se a confiança que ele tem com seus jogadores será retribuída na grande final do CBLoL.